De acordo com a última pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde – OMS, em 2019 foram registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos por ano, ou seja, em média 38 pessoas cometem suicídio por dia. Nesse contexto foi criado no Brasil o “Setembro Amarelo”, maior campanha anti-estigma do mundo que incentiva todos à atuarem ativamente na conscientização e na prevenção do suicídio, tema que ainda é visto como tabu.
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Dentre os inúmeros esforços que podem ser feitos para auxiliar esse movimento, como apoiar organizações, derrubar os estigmas e defender os cuidados de saúde mental, a arquitetura é capaz de assumir um papel especialmente importante, apresentando decisões de projeto que promovem o bem-estar dos seus usuários em uma atividade habilidosa definida pela compreensão tanto da física estrutural quanto da interação humana. Nossa experiência cotidiana do monótono ao espetacular pode, portanto, criar ordem e inspiração a partir de formas e materiais que se tornam palco para as atividades humanas. Implícita nesses objetivos está a capacidade da arquitetura de influenciar a saúde física e mental das pessoas que vivem, trabalham e se divertem nos ambientes criados pelos arquitetos.

Dessa forma, entende-se que o ambiente construído pode nos incentivar a desenvolver diferentes sentimentos, seja negativamente, como o aumento do estresse, ou positivamente, ajudando a lidar com ele. Situações que são ainda mais potencializadas quando se trata de pessoas que enfrentam algum transtorno mental, já que, quanto mais grave for uma doença mental, mais profunda será a tendência de se tornar excessivamente reativo a certos ambientes e subestimulado por outros.

Nesse sentido, reconhecendo a ampla gama de estratégias que podem ser utilizadas no processo de projeto, assim como apreciando a natureza subjetiva da arquitetura, na qual cada pessoa pode experienciar diferentes sensações em um mesmo espaço, alguns pontos específicos sempre vêm à tona quando se fala de arquitetura e saúde mental.

Em 2008, Park e Mattson realizaram um ensaio clínico randomizado com pacientes cirúrgicos, avaliando os efeitos terapêuticos de plantas em quartos de hospital. Noventa pacientes foram estudados durante um período de seis meses na Coréia. Os quartos eram idênticos, localizados no mesmo andar sendo a única diferença a presença ou ausência de plantas. Como resultado, o grupo experimental apresentou níveis mais baixos de ansiedade, pressão arterial e frequência cardíaca. Ou seja, ao considerar a presença das plantas nos ambientes hospitalares, os arquitetos podem auxiliar na recuperação tanto física quanto mental dos usuários. Essa mesma conclusão vale para outras abordagens relacionadas aos aspectos naturais dentro dos espaços construídos, como acesso à ventilação e iluminação solar, conforme a biofilia apresenta.

Essas experiências podem ser medidas por meio de conceitos objetivos como conforto térmico, visual e acústico sendo traduzidas em tabelas com níveis aceitáveis de celsius (temperatura), lux (iluminação) e decibéis (ruído). Entretanto, ser capaz de compreender e interpretar esses números, materializando-os em espaços funcionais e agradáveis é um desafio pois diferentes requisitos podem ser contraditórios. Por exemplo, focar em criar belas vistas e espaços muito bem iluminados pela luz solar pode entrar em choque com o ofuscamento e o superaquecimento do ambiente.

Sendo assim, uma arquitetura — e também urbanismo — que se preocupa com a saúde mental dos seus usuários vem de quem entende o propósito da estrutura que está sendo projetada, bem como as pessoas que a utilizarão, levando em conta sentimentos e emoções.

Gaston Bachelard no seu livro A poética do espaço fundamenta as propriedades espaciais na influência da constituição do ser, mais precisamente em seus aspectos psicológicos. No termo denominado topofilia (preferência ou conexão sentimental que alguém apresenta em relação a determinados lugares) o autor destrincha a dualidade entre espaços de hostilidade e espaços felizes analisando os valores e sentimentos despertados por eles como proteção, refúgio e tranquilidade. O livro reforça, portanto, o papel fundamental dos espaços na experiência e vida cotidiana, assim como na constituição da memória afetiva. Nesse sentido, a arquitetura também deve responder a elementos subjetivos — tão importantes quanto outros aspectos — fomentando sensações que são fundamentais para a saúde mental dos seus usuários como pertencimento, segurança, legibilidade, privacidade e criação de memórias. Essa resposta pode ser dada de diferentes maneiras, seja na técnica construtiva escolhida, na morfologia, nos materiais e texturas, nas relações com o entorno e a comunidade, entre outras.

É fato que uma boa arquitetura não irá fornecer curas mágicas para pessoas com problemas de saúde mental. Tampouco substituirá os avanços na ciência e medicina. Entretanto, oferecer espaços confortáveis, acolhedores e bem projetados, onde os usuários se sintam felizes e seguros, é uma forma de contribuir para a felicidade cotidiana, não apenas quando se trata de edificações especificamente destinadas ao tratamento de doenças mentais, mas também espaços públicos que inspirem segurança e legibilidade assim como pequenas intervenções que servem como um respiro acolhedor em meio ao caos.

Fonte: Archdaily Brasil