Apesar da aparente rigidez funcional de cada cômodo da casa, há algo nesta rotina de uso e apropriação do espaço que é fundamental para o nosso modo de vida. Entretanto, considerando as novas tendências em tecnologia e automação residencial, assim como os efeitos repentinos causados pela recente pandemia de coronavírus, como repensar a maneira como nos relacionamos com o espaço doméstico e como adaptá-los segundo as novas necessidades e demandas que estão surgindo?
Lições aprendidas com a pandemia de Covid-19
A crise sanitária mundial que teve início no ano passado nos levou a questionar muitas coisas, principalmente na arquitetura e no que diz respeito aos espaços habitáveis. Muitos de nós percebemos que espaços anteriormente considerados adequados para nossas necessidades diárias, na verdade, parecem agora muito pouco funcionais, especialmente para aqueles que vivem com outras pessoas. Com a mudança forçada e repentina para o trabalho remoto—algo que provavelmente permanecerá mesmo após o tão esperado fim da pandemia, precisaremos de espaços mais flexíveis e adaptáveis em nossas casas se quisermos manter um pouco de nossa saúde física e mental. Por exemplo, ainda que antigamente muitas casas suburbanas contassem com um espaço de escritório, esta solução foi perdendo popularidade até praticamente desaparecer do mapa, ou melhor, da planta. Não que a solução seja voltar a construir um quartinho com mesa e computador, mas com certeza precisamos de algo melhor que um sofá ou do que a mesa da cozinha.
A pandemia também nos fez abrir os olhos para a necessidade de espaços abertos, bem iluminados e arejados em nossas próprias casas. Para além dos parques e praças, varandas, quintais e jardins são fundamentais na vida de qualquer ser humano. Pequenos jardins e sacadas, que por tanto tempo ficaram fechados e inutilizados, voltaram a ver a luz do dia e agora são considerados espaços fundamentais dentro de nossa rotina doméstica.
Reconsiderando os espaços que fazem de uma casa um lar
Também é chegada a hora de reconsiderarmos os espaços domésticos com os quais estamos habituados. Anna Puigjaner, arquiteta espanhola vencedora do Prêmio Wheelwright da Universidade de Harvard, é uma pioneira e defensora do projeto de casa sem cozinha. Sua ideia está fundamentada em uma ideologia de economia compartilhada, onde o espaço de cozinha é visto mais como um espaço compartilhado por uma comunidade maior de pessoas, como os moradores de um edifício residencial por exemplo, operando como uma válvula de escape social mais do que um simples espaço individual para a preparação de pequenas refeições. Embora, a curto prazo possa parecer desfavorável ter que compartilhar a sua cozinha com outras pessoas todos os dias, o objetivo se torna mais claro a longo prazo, quando passamos a reconsiderar nosso próprio modo de vida. Se estivermos dispostos a considerar a remoção de um espaço doméstico tão importante quanto a cozinha, que outros espaços estaríamos dispostos a compartilhar com outras pessoas? Poderíamos pensar em uma grande comunidade, onde a maioria dos espaços são compartilhados, como a sala de estar e jantar por exemplo.
Remodelando nosso comportamento doméstico
Apresentado recentemente pela Arch Out Loud, o concurso HOME foi lançado com a principal intenção de encorajar arquitetos e arquitetas do mundo todo a explorarem novas soluções arquitetônicas para o futuro do espaço doméstico, questionando o impacto do crescimento populacional, das novas tecnologias bem como da ascensão da indústria de co-living em nosso atual modo de vida. Neste contexto, as propostas apresentadas pelos participantes do concurso nos permitem ter uma ideia de como mudanças culturais poderiam resultar em uma completa redefinição de nossos espaços habitáveis. A proposta “The Home Alive”, premiada na categoria de “soluções pragmáticas”, afirma que os atuais elementos programáticos que compõe a estrutura do espaço doméstico já não refletem a forma como vivemos e que os espaços habituais de uma casa não correspondem ao nosso atual modo de vida. Como uma espécie de espaço-manifesto, a proposta apresentada está composta apenas por uma estrutura modular, onde os espaços podem ser montados e desmontados pelos moradores com o auxílio de painéis móveis—adaptando-os às suas necessidades e demandas específicas de cada momento.
Outra proposta digna de nota, a vencedora geral do concurso HOME, chega a propor uma revisão completa de nossos horários e dos tempos que dedicamos à cada tarefa doméstica. Ao amarrar o horário e o espaço de trabalho com o movimento de sol ao longo do ano, o projeto da casa estabelece uma separação espacial temporária e sempre em transformação, questionando a forma como concebemos e nos relacionamos com nossos espaços domésticos.
Considerando isso, se faz evidente que nossas casas, embora tenham resultado de um processo histórico que se desenvolve muito lentamente, encontram-se completamente defasadas em relação ao nosso atual modo de vida—o qual tem se transformado muito rapidamente ao longo dos últimos anos. Quase todos os outros espaços construídos sofreram profundas transformações ao longo das últimas décadas, chegando a serem irreconhecíveis e obsoletos em poucos décadas. Já não vivemos como o fazíamos nos anos 1920 e nossos espaços domésticos não necessariamente acompanharam as profundas mudanças pelas quais nossa sociedade passou ao longo de todo este tempo e portanto, é chegada a hora de perguntar-nos: que casa é essa na qual deveríamos estar vivendo hoje?
Por Archydaily