A “justiça no design” procura repensar os processos de design, centralizando as pessoas que normalmente são por ele marginalizadas e utilizando práticas colaborativas e criativas para abordar os desafios mais profundos que as nossas comunidades enfrentam.
Por exemplo, sabemos que nas Américas nossa arquitetura foi quase 100% construída em cima da estética e dos desejos dos nossos colonizadores. Povos indígenas e negros não tiveram participação no processo de construção de cidades e edifícios e ainda tiveram sua ancestralidade e hábitos sócio-culturais negados no processo de criação de tudo que envolve um espaço urbano.
A consequência é que nossas cidades representam quase que inteiramente a cara do nosso colonizador branco e europeu, mas somos um país formado por 56% de população negra, 0,5% de população indígena e 10% de LGBQT.
Black Lives Matter
Em 2020, o movimento Black Lives Matter iniciado a partir do assassinato de George Floyd nos EUA, desencadeou a derrubada de estátuas de colonizadores escravocratas por pessoas que consideravam aquilo uma ofensa na sua caminhada naquele lugar.
Esse ato nada mais é do que o Design Justice na prática. A informação e a discussão estimulada pela era digital e pelo rápido compartilhamento de informação tem despertado em grupos oprimidos a vontade de viver em ambientes justos com sua história.
Em Bristol, a estátua do comerciante de escravos Edward Colston foi substituída por uma estátua de uma mulher negra com a mão levantada representando o significado do movimento e sua importância na sociedade.
Por que o Design Justice é importante?
Primeiro, não existe mais a ideia de construir e criar qualquer tipo de produto ou serviço sem antes pensar em quem você está beneficiando ou agredindo. Espaços tem que ser pensados inteiramente na lógica de todos os que vão fazer parte daquele lugar.
Se isso não for levado em conta, em algum momento posterior, consequência graves dessa exclusão podem vir à tona causando inúmeros prejuízos.
Segundo, marcas e empresas começaram a notar que estão perdendo clientes quando não se importam com causas, minorias e movimentos importantes da sociedade: as pessoas deixam de comprar e fazem boicote de verdade em tudo aquilo que não concordam – dos produtos ao design dos espaços.
Foi o que aconteceu com o criador do Crossfit, Greg Glassman, que fez uma declaração controversa sobre racismo e o BLM. Várias marcas (como Reebok e Rogue Fitness), atletas, boxes e academias passaram a boicotar a marca Crossfit e retirar seus nomes vinculados ao esporte.
Quem anda fazendo
É importantíssimo que profissionais do design comecem a estudar sobre Design Justice e entender a importância desse movimento para o planeta.
Hoje o DJ é um nicho, com escritório especializados nisso, mas a ideia é que se torne algo completamente natural no nosso cotidiano onde repensar problemas estruturais do design sejam normais e não “especialidade”, evitando inclusive que a população precise agir em causa própria derrubando monumentos.
Na Califórnia, o escritório DJ+DS vem se destacando nos projetos com práticas projetuais voltadas ao pensamento do Design Justice. Desde escolas até um ônibus reformado para abrigar refugiados, a arquiteta Deanna Van Buren, head do escritório, se especializou em projetar baseada no diálogo e na construção compartilhada com quem vai utilizar o espaço.
O arquiteto é um mediador e não dono do desenho final e constrói suas ideias a partir de um painel colaborativo com diversos outros agentes.
Também nos EUA, a professora do MIT , Sasha Costanza-Chock, defende o ensino do Design Justice nas faculdades, é autora de um livro sobre o assunto ( Design Justice: Community-Led Practices to Build the Worlds We Need ) e também criou uma comunidade internacional para discussões e capacitação acerca do DJ no mundo.
Sasha advoga incisivamente pela causa LGBQT, estimulando seus alunos a pensarem em problemas estruturais que são quase naturais no processo de projeto e acabam passando batidos por arquitetos e designers em seus espaços: por exemplo, a divisão dos banheiros de forma binária (masculino e feminino) – o que acontece quando uma pessoas trans, cis ou agênero não se sente à vontade com essa divisão?
É fato que precisamos reconhecer as inadequações do passado dos nossos espaços e admitir as práticas preconceituosas e injustas que formaram o status quo e o privilégio injusto da maneira como projetamos.
Nosso ambiente construído não deve refletir o poder e a história de poucos, mas sim representar e reforçar a justiça e o bem-estar para todos.
Fonte: Archdaily