A necessidade de transformarmos a engenharia de edifícios num setor de alta produtividade passa pela sua industrialização. Mas não existe industrialização sem grande precisão.
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Na construção de automóveis o chassi tem o papel de estruturar o veículo bem como ser o elemento que suporta todos os demais sistemas do carro: do motor, sistema de tração e suspensão aos instrumentos de controle e rádio. O chassi, além de ser resistente aos esforços que atuam no automóvel cumpre também o papel de ser um agregador preciso de todos os sistemas necessários ao funcionamento do veículo. Resistência e precisão são suas principais características. Grande parte da produtividade na montagem de um carro é baseada na precisão do chassi, e na sua capacidade de unir todos os sistemas do carro em sua correta posição, sem ajustes posteriores.

Se queremos ter alta produtividade na construção de edifícios temos que pensar nossas estruturas como chassis, nos quais serão fixados e instalados todos os demais sistemas e componentes do edifício, da mesma forma como é feito num carro.

Dessa forma, nossas estruturas precisam ser precisas de forma a poder viabilizar a produtividade nas demais partes dos edifícios através da pré-fabricação.

Não existe a mínima possibilidade de alta produtividade se tivermos que fazer ajustes e arremates em cada componente que for montado. Os sistemas não bastam ser pré-fabricados, eles têm que ser montados de forma fácil, rápida, com precisão e de uma única vez.

Nossas estruturas são suficientemente precisas para permitir a pré-fabricação e a alta produtividade?

Infelizmente esse é um dos principais problemas que enfrentamos nos processos construtivos convencionais. As estruturas de concreto de edifícios moldados “in loco” têm precisão da ordem de +/- 5 cm, o que inviabiliza a pré-fabricação de vários outros sistemas que serão montados na sequência. As estruturas de concreto armado convencionais são naturalmente imprecisas e requerem um esforço muito grande se quisermos reduzir essa imprecisão. Formas plásticas e escoramentos metálicos ajudam muito, mas são por si só são insuficientes para garantir a precisão que necessitamos.

Já, as estruturas metálicas são naturalmente precisas, e podem com facilidade atingir precisões da ordem de +/- 5mm, dez vezes maiores que as de concreto armado. Costumo dizer que, se não for admitido soldagem das peças no canteiro de obras e se não sobrar peças, a estrutura foi provavelmente montada com precisão.

Além das estruturas metálicas serem muito rápidas de serem construídas, sua precisão viabiliza a pré-fabricação de todos os demais sistemas e dessa forma, podem cumprir um importantíssimo papel na industrialização do setor bem como serem decisivas num salto de produtividade que tanto almejamos.

A questão é: por que usamos tão pouco as estruturas metálicas em edifícios de múltiplos andares?

A resposta é simples: o custo muito elevado das estruturas metálicas tem dificultado a disseminação do seu uso e inviabilizado seu uso em edifícios residenciais. Além disso o adiantamento do seu pagamento no cronograma financeiro pesa muito no caixa do empreendimento. Uma análise do que acontece hoje na cadeia de produção das estruturas metálicas pode indicar caminhos para sua viabilização.

Todos os dados que apresento aqui são reais e foram tirados de projetos residenciais que estamos desenvolvendo em nossa empresa, URBIC, cujo negócio é desenvolver e construir rapidamente edifícios residenciais pequenos e médios em bairros centrais e bem desenvolvidos. Uma linha de produtos são edifícios residenciais de 8 a 15 pavimentos para serem construídos em 6 a 12 meses destinados à classe média e média-alta. Estamos atualmente com 3 projetos sendo dois deles em construção. Outra linha em desenvolvimento são edifícios em construção em módulos tridimensionais de 4 a 8 pavimentos para serem construídos em até 3 meses, em bairros centrais e bem desenvolvidos de grandes cidades, em joint venture com a CMC-Lafaete de Minas Gerais.

Em ambos os produtos definimos a estrutura metálica como nosso chassi para abrigar e conectar todos os demais sistemas pré-fabricados. Os dados aqui mostrados referem-se a um prédio de 14 pavimentos com 300 m2 de área construída no pavimento tipo, térreo em pilotis e 1 subsolo.

Para análise comparativa do custo, a Fig-1 representa os quantitativos e custos da versão estrutural em concreto armado moldado “in-loco”. A Fig-2 refere-se aos quantitativos e custos da estrutura metálica, com pórticos em perfis metálicos, pilares mistos tubulares (retangulares) de aço e concreto armado no seu interior e lajes em steel-deck. Ambas alternativas podem servir de referência de consumo e custo para edifícios médios em geral.

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A estrutura de concreto foi pensada em laje plana de 16 cm com pilares e vigas de borda, contraventada por um núcleo de rigidez onde se encontram a escada e os elevadores. A espessura média de concreto foi de 0,27 m3/m2, com 25 Kg de aço por m2, formas plásticas e escoramento metálico. Essa estrutura foi estimada com um custo de R$ 410/m2 já incluso impostos, taxas e despesas indiretas. O prazo de execução da estrutura foi estimado em 6 meses.

A estrutura metálica foi projetada com 50 Kg de perfis por m2 de área construída e seu custo total foi orçado em R$ 813/m2 de área construída, com prazo estimado de 3 meses de execução. O contraventamento mais econômico obtido foi em diagonais atirantadas em planos “cegos” de algumas paredes.

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Numa primeira comparação pode-se ver que a estrutura metálica custa, montada e protegida ao fogo, aproximadamente o dobro da estrutura de concreto moldada “in-loco”. Esse é um resultado profundamente desanimador e que faz com que a maioria das empresas evitem rapidamente a alternativa metálica. Entretanto vale a pena analisarmos os números de modo a indicar discrepâncias e alternativas que poderão indicar caminhos para a indústria do aço viabilizar seu produto.

1-    Custo da falta de isonomia tributária

A Fig-3 mostra um comparativo entre as alternativas de concreto e de aço.

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A primeira comparação é quanto ao custo da matéria prima (materiais já transportados) que na estrutura de concreto é de R$ 248/m2 (ver Fig-1) e a estrutura metálica é de R$ 338/m2 (perfis) e o total incluindo os demais materiais R$ 500/m2. Somente os perfis usinados e com pintura de fundo temos um custo de R$ 6,75/Kg. Uma estrutura equivalente nos EUA (preços de NY) custa em torno de R$ 1.200/ton (perfis usinados e com pintura de fundo) ou seja R$ 4,92/Kg. Embora o Brasil seja o nono maior produtor de aço do mundo, o aço produzido aqui é da ordem de 37% mais caro que o americano. Os produtores de aço dizem que essa diferença é devida aos impostos brasileiros e ao custo da energia que são muito mais altos do que os americanos. Essa é uma parte do famoso “custo Brasil” colaborando para o atraso tecnológico do setor. Esses impostos recaem em valores muito mais altos em sistemas industrializados do que em artesanais. A indústria paga ICMS (12 a 22%) enquanto as atividades artesanais em obra, ISS (2 a 5%). Nesse caso, o imposto pago na alternativa em aço é de aproximadamente R$ 106,00/m2 enquanto na de concreto é de R$ 8,10. Essa diferença de R$ 97,60 em impostos pode explicar 24% da diferença de custo a maior para a alternativa em aço. Esse é um ponto crucial para ser resolvido pela indústria. Os processos de construção industrializados não podem continuar sendo punidos com  essa absurda falta de isonomia tributária. Estamos condenando um setor que representa de 10 a 12% do PIB a permanecer no atraso e ser pouco atrativo por uma mentalidade completamente anacrônica.

1-    Custo da cadeia de produção

Um ponto interessante diz respeito ao custo da mão de obra. Na estrutura de concreto, onde toda a forma tem que ser confeccionada, montada, escorada, desformada, limpa e recuperada, bem como a montagem das armaduras e concretagem, o custo do serviço de construção da estrutura é da ordem de R$ 162/m2. A estrutura metálica, que é trabalhada em processos de alta produtividade, principalmente feitas por máquinas cortadeiras e furadeiras, com menor uso de mão de obra, o custo desse serviço é da ordem de R$ 313/m2, onde a montagem dos perfis na obra custa R$ 200/m2. Ou seja, o custo do serviço de montagem total da estrutura metálica é 93% mais cara que a de concreto, mesmo tendo uma produtividade muito maior e muito menos atividades nessa montagem. Esse acréscimo se torna ainda mais estranho levando-se em conta que um montador de estrutura metálica ganha aproximadamente igual a um carpinteiro de uma estrutura convencional.

O setor do aço precisa entender o que está acontecendo na agregação de custo da cadeia que faz com que um perfil, posto na fábrica da estrutura metálica por R$ 3,70 a R$4,00/Kg possa custar montada R$ 12,00/Kg ou mais. Se esses custos agregados na cadeia de produção não forem estudados e mais bem equacionados, a estrutura metálica vai continuar com valores absurdos e desnecessariamente altos.  O custo alto das estruturas metálicas prontas tem mais a ver com o custo da cadeia de produção do que com o custo dos perfis nas siderúrgicas. Mesmo se o custo dos perfis fosse reduzido à metade, ainda assim o custo da estrutura metálica seria inviável. Essa aparente miopia do setor em não gerenciar positivamente a cadeia produtiva está fazendo com que estruturas metálicas de múltiplos andares representem menos de 1% dos edifícios, onde essa proporção é muito maior nos EUA (31%), Inglaterra (54%), Japão (71%) (*).  Temos a 2ª maior reserva de minério de ferro e somos o 9º maior produtor mundial de aço. O potencial do uso do aço no Brasil é enorme e poderia alavancar de forma contundente a produtividade e a competitividade da Construção Civil. Não consigo entender o que está acontecendo no nosso setor do aço, talvez estejam com uma visão muito de curto prazo, mas o potencial é enorme e estamos perdendo uma grande oportunidade de lucratividade e desenvolvimento.

2-    Momento econômico ajuda a distorcer a análise

Outro ponto importante nessa análise é quanto ao momento atual da análise. As estruturas de aço de edifícios custavam historicamente entre 30 a 50% a mais que as de concreto, inclusive em passado recente, e hoje estão custando 100% a mais. Estamos no final da maior crise econômica que já vivemos, e a construção civil foi a parte da economia mais impactada. Devemos tomar cuidado ao comparar materiais que não podem ser exportados (concreto) e que está em seu valor muito baixo em relação ao histórico, com o aço, que é uma commodity internacional facilmente exportável. A tendência do aumento do custo do concreto e da mão de obra de estrutura é muito grande com o retorno do crescimento setorial. O preço histórico do concreto é de US$ 120/m3 e hoje esse valor não tem passado de UUS$ 60/m3 para o concreto de 30 Mpa.

A mão de obra da estrutura de concreto está com valor entre R$ 500 a 600/m3. Algumas construtoras já estão estimando preços de R$ 700 a 800/m3 até o final do ano.  Dessa forma, acredito que a tendência é de que os custos relativos se aproximem dos praticados no passado e a estrutura metálica volte a ser 40% mais cara que a de concreto.

Conclusão

Examinando-se os custos atuais, o uso das estruturas metálicas principalmente em edifícios residenciais é praticamente inviável, mesmo levando-se em conta a velocidade das obras em processos industrializados. Não é fácil viabilizar o dobro do custo mesmo com altas velocidades. Acredito que quando voltarmos aos patamares de 30 a 50% do passado será possível essa viabilização e se o setor do aço fizer seu “dever de casa” e trabalhar a cadeia de fornecedores como uma cadeia de valor, poderemos ter uma verdadeira revolução em nossa maneira de construir.

Enquanto isso, o primeiro prédio da URBIC foi concebido em estrutura metálica com lajes pré-fabricadas em vez de steel-deck. No nosso segundo prédio desenvolvemos uma estrutura mista, onde a parte metálica garante a precisão da estrutura e lajes planas de concreto moldadas “in-loco” com formas plásticas. Dessa forma conseguimos abaixar o consumo de perfis metálicos de 50 Kg/m2 (1º prédio) para 28 Kg/m2, mantendo grande precisão e um ciclo estimado de 2 lajes por semana. Estamos o tempo todo balanceando o custo com a velocidade de forma a mantermos nosso modelo de negócio. Mas se pudesse construiria todos os nossos prédios predominantemente em aço. Quem já construiu em aço fica irremediavelmente conectado nesse sistema para sempre. A referência do chassi de veículos é a minha prioridade. A precisão, produtividade, redução de perdas, melhor qualidade e segurança do trabalho é o caminho de nossa evolução. A estrutura em aço pode ter um enorme papel nesse processo, com beneficios para todo o mercado.

(*) Esses valores precisam ser confirmados e foram tirados de artigos ingleses e americanos escritos nos últimos 10 anos.