Temos enfrentados problemas sérios nos últimos 40 a 50 anos e temos dado frequentemente respostas fáceis que paulatinamente nos levaram a sermos um setor de baixíssima rentabilidade, beirando hoje a inviabilidade. É uma resposta fácil dizermos que a inviabilidade atual é por causa da atual crise econômica. Se assim fosse, porque fomos tão mal no período de 2008 a 2014 onde a economia do Brasil estava acelerada e o setor super demandado? Nesse período quase todas as empresas imobiliárias e de construção tiveram sérios prejuízos e muitas quebraram levando a falência grande parte de seus fornecedores.
De resposta fácil em resposta fácil chegamos até aqui. Vale a pena examinarmos algumas dessas respostas que demos nos últimos 40 a 50 anos.
A mais importante foi quanto ao financiamento de nossos clientes. Como os bancos não financiam 100% do valor do imóvel, cabendo ao comprador arcar com o restante (normalmente de 20 a 40% do valor) estávamos diante de duas alternativas:
1- Buscar soluções de como capitalizar previamente nossos clientes para a compra.
2- Aumentar o prazo entre a compra e a entrega do imóvel de modo que o cliente possa pagar a parte não financiada.
Optamos pela segunda alternativa, uma resposta fácil e que estava “em nossas mãos” a qual não pensamos nas suas possíveis consequências. Porque a segunda resposta é “fácil” e a primeira “difícil”?
Na primeira alternativa deveríamos ter pensado alguns pontos:
· O financiamento de imóveis é um bom negócio para os bancos?
· Que soluções os bancos poderiam ter para poupança incentivada para a compra de imóveis?
· Qual a experiencia com a Poupança Programada da CEF e como ela poderia ajudar em novos produtos bancários?
· O que fazer para atrair investidores privados para o setor?
· Qual o melhor uso do financiamento bancário e o de investidores privados no empreendimento imobiliário?
· Quais características deveriam influenciar nosso modelo de negócio para atrair investimento privado? Seria um investimento complementar?
· Qual a experiência de outros países onde esse problema foi resolvido? Como poderíamos adaptá-las para o Brasil?
Várias outras questões poderiam ter sido acrescentadas para criarmos uma solução robusta para o setor, mas de longe não seria uma resposta fácil. Não fizemos isso e caímos na solução fácil do aumento de prazo. Com isso tivemos os seguintes efeitos colaterais:
· Aumento significativo nos prazos entre o lançamento dos empreendimentos e seu início de obra. Hoje os prazos estão entre 10 e 12 meses, o que dificulta muito a manutenção e o custo das vendas.
· Aumento significativamente dos prazos de obra. Hoje nossas obras têm de 2 a 3 vezes mais prazos do que seriam necessários para atingirmos qualidade, produtividade e boa técnica.
· Consideramos nossos clientes como irresponsáveis, que vão comprar pão e no meio do caminho podem comprar um apartamento. Fingimos que vendemos e os clientes fingem que compram e agora queremos multas pesadas para quem desiste da compra.
· Ciclos de negócio entre 5 e 8 anos aumentam significativamente os custos fixos dos empreendimentos e das empresas. Custos administrativos e financeiros comem todo lucro, mas esse processo é raramente percebido pelos empreendedores.
· Redução drástica da lucratividade dos empreendimentos representado pela T.I.R. (taxa interna de retorno) que significa o lucro na unidade de tempo. Deixamos considerar a TIR como objetivo e a substituímos pela margem de lucro sobre o investimento. Mas de que adianta margens de 20 a 30% com ciclos de 5 a 8 anos? Não seria melhor os empresários investirem em caderneta de poupança?
· Como longos prazos significam adoção de métodos construtivos artesanais e de baixa produtividade, somos hoje um setor atavicamente ligado ao passado e a falta de modernidade. Somos um setor que não atrai talentos, de pensamento e gestão atrasado e autocrático.
· Os riscos aumentam muito com o aumento do ciclo de negócio. Com longos ciclos, passamos por várias crises de mercado e com isso temos imprevisibilidade de custos e de vendas. Também o conceito de que nossos empreendimentos “envelhecem” e se distanciam das necessidades dos clientes e da realidade da economia durante esses longos períodos.
· Nossos investidores abandonaram o setor e nos tornamos dependentes de bancos que administram recursos públicos como o FGTS e a Caderneta de Poupança.
Muitos outros problemas poderiam ser numerados em função dessa resposta fácil, mas é interessante explorarmos outras respostas fáceis que fizemos ao longo desses anos.
Outra resposta fácil foi quanto a consideração política da Construção Civil como responsável pela absorção de grandes contingentes de mão de obra pouco qualificada. Tínhamos duas alternativas: nos apresentar como um setor qualquer da economia, comprometidos com a produtividade, com o desenvolvimento tecnológico e a modernidade ou aceitar essa “missão histórica” de ser responsável pelo uso intenso de mão de obra e com isso nos beneficiarmos de algumas “migalhas” de incentivos governamentais de curto prazo e da mão de obra barata. A 50 anos atrás o setor agropecuário era considerado como absorvedor de mão de obra. Durante esse período esse setor se modernizou, se industrializou e aumentou vertiginosamente sua produtividade, tornando-se um dos setores mais produtivos do mundo, enquanto o setor da Construção Civil pouco evoluiu e serviu para absorver o êxodo rural provocado pela modernização da agricultura. Esse papel destrutivo está tão impregnado na cabeça da maioria dos empresários de nosso setor que é ainda um dos principais argumentos usados para reivindicarmos mais algumas migalhas de benefícios fiscais e de financiamento publico para suportarmos a atual crise econômica. As consequências dessa resposta fácil foram:
· Uso de tecnologias obsoletas e de baixa produtividade pois baixa velocidade de obra é incompatível com alta produtividade.
· Uso de processos construtivos artesanais e de uso intenso de mão de obra.
· Qualidade instável e prazos de obra muito longos e com grande variabilidade.
· Permitimos e até aplaudimos tributação diferenciada e perversa contra sistemas construtivos industrializados. Hoje o “atraso” paga ISS e a “modernidade” paga ICMS, 4 vezes mais alto.
· Aceitamos passivamente todo o aumento abusivo das normas regulatórias e de aprovação de projetos, sempre confiando que teríamos (cada empresa) seu deputado ou vereador do coração, que ajudaria na agilização das aprovações de projeto ou na obtenção dos alvarás.
· Nossos custos são incertos, temos muitas patologias e custos de assistência técnica durante o período de garantia.
· Não temos interesse real na capacitação da mão de obra e nosso setor tornou-se de baixos salários e de alto risco de acidentes. Não somos atrativos para jovens talentos e nossos trabalhadores não querem que seus filhos sigam sua profissão.
· Rejeitamos o desenvolvimento tecnológico e criticamos as empresas que tentam fazê-lo, reforçando preconceitos sem sentido a novas tecnologias.
Poderíamos listar muito mais consequências negativas dessas decisões fáceis que se acumularam nesses últimos 50 anos, mas não adianta focarmos no somente no problema. Olharmos o problema serve somente para tomarmos consciência de que precisamos mudar urgentemente. Esse é o primeiro passo para mudarmos essa cultura destrutiva. Mudarmos agora não será fácil, mas extremamente necessário. Nossa cultura do atraso é tão entranhada que muitos que lerão esse artigo acharão que a Construção Civil é assim mesmo e que nada é possível fazer. Ou que dependemos do governo para mudarmos e que somos vítimas da economia e não atores de nosso próprio destino.
Nessa organização a indústria de componentes poderia ter um papel muito grande por ser muito menos pulverizada, ter empresas muito mais organizadas, menos associações, mentalidade industrial e menos descapitalizadas. As indústrias da cadeia de suprimentos poderiam se integrar e ajudar a reverter nossa tributação setorial maluca, desfocar da visão do fornecimento do material de construção e oferecer sistemas construtivos “pré-engenheirados” e com mais valor agregado. A liderança poderia ser formada na indústria e depois paulatinamente incorporada no setor imobiliário, muito mais pulverizado e desarticulado. Creio que a saída poderia ser por aí, mas esse é assunto para outro artigo.