Usei pela primeira vez o BIM no processo de coordenação, direção técnica e construção do edifício AQWA Corporate, na região portuária do Rio de Janeiro, quando diretor da Tishman Speyer. Esse projeto iniciou-se em 2013 e se desenvolveu até meados de 2015. A obra terminou em julho de 2017. O projeto arquitetônico concebido pelo famoso escritório Foster&Partners foi extremamente desafiador e usamos o BIM para modelagem da estrutura mista (metálica e concreto armado) e fachadas de alumínio e vidro. Como o edifício tinha várias partes inclinadas em estrutura metálica com conexões por flanges de grandes dimensões e inúmeras interferências com a fachada (também inclinada e muito complexa), posso afirmar se não fosse a modelagem em BIM seria extremamente difícil conseguirmos construir com a velocidade que fizemos. Não usamos o BIM para modelarmos os sistemas prediais por não termos conseguido na época projetistas que trabalhassem realmente com esse sistema.
Ao iniciar a minha empresa em 2019, a URBIC Inc, que seria voltada a obras residenciais e comerciais de pequeno e médio porte, construídas em prazos muito curtos em bairros congestionados em grandes cidades, tinha como certo que o uso do BIM seria fundamental nesse processo. Da minha primeira experiência com o AQWA já se faziam 6 anos e imaginei que não enfrentaria a maior parte das dificuldades daquela época. Realmente o mercado profissional evoluiu bem como os softwares e bibliotecas de produtos disponíveis, mas ainda estamos longe de ser um sistema de fácil uso. O intuito desse artigo é mostrar algumas das principais dificuldades e os benefícios que vivenciei na sua implantação em minha empresa.
Por que adotamos o BIM?
Para viabilizar a construção de obras em 6 a 12 meses com 8 a 15 pavimentos, pilotis e subsolo em terrenos pequenos e de acesso restrito a caminhões em muitos horários do dia, duas premissas foram adotadas: construções fortemente industrializadas (pré-fabricadas) e logística de entrega de componentes “just-in-time”, sem estoques intermediários. Todo o planejamento da obra teria que ser baseado numa operação de logística e cada componente ou palete deveria ser transferido do caminhão para o local de montagem ou aplicação sem qualquer estoque ou operação intermediária. Para que isso fosse possível os componentes precisariam se encaixar perfeitamente, sem retrabalho e esperas, pois os caminhões precisariam ser descarregados rapidamente devido a termos uma única vaga disponível. A velocidade da obra dependia diretamente da velocidade de descarga dos caminhões. A operação da grua precisaria ser também muito otimizada. Tínhamos que trabalhar como numa indústria altamente eficiente.
Nessas premissas, a construtibilidade deveria ser precisa e focada na conectividade das peças e sistemas, na não interferência entre elas no transporte e montagem, bem como na acessibilidade e segurança dos operários para sua fixação. A estrutura teria que ser encarada como um chassi de automóvel, sendo o elemento que garantiria a precisão da montagem e a integração de todas as demais partes da obra. Definimos que a precisão dimensional devia ser de +/- 5mm.
Cada parte ou sistema das obras seriam pré-fabricadas por fornecedores distintos e distantes. Precisariam de ser unidas e conectadas com altíssima precisão sem qualquer retrabalho. Teríamos que usar a experiencia da indústria automobilística ou de construção aeronáutica onde uma asa de um grande jato, é construída em Hamburgo, Alemanha, a uma fuselagem construída em Toulouse na França, enviadas para serem montadas por robôs em Tianjin, China, recebendo turbinas fabricadas na Inglaterra e sistemas eletrônicos americanos. O Airbus A-320 é construído assim e foi o BIM que propiciou que tudo isso fosse projetado e construído dessa forma. Tínhamos então achado o modelo a seguir.
O BIM é muito mais do que uma ferramenta de projeto, mas uma plataforma de interação tecnológica, de informações de todo tipo e de alimentação dos sistemas de robôs para produção.
Existem muitos aplicativos, mas a ferramenta mais importante disponível que o BIM oferece são os aplicativos de “clash-detection” que analisam interferências físicas entre componentes e sistemas durante o transporte vertical e horizontal na obra, fixação e funcionamento. Esses foram os aplicativos que mais usamos nos projetos URBICs (já estamos no terceiro prédio). Outras facilidades de fornecimento de peso, área e volume de sistemas e partes também nos auxiliaram muito nesse processo, além de análise de conexões com precisão.
Mas temos tidos algumas dificuldades e as principais são as seguintes:
1- Projetar diretamente em 3D durante a fase de concepção
É comum encontrarmos conselhos de especialistas em BIM que devemos proceder a fase de concepção já em 3D e não iniciarmos em 2D e depois do projeto ajustado no plano horizontal passarmos para 3D. É fácil falar, mas não é fácil fazer. A maior parte das variáveis de um projeto arquitetônico estão no plano horizontal, bem como as diretrizes e regulamentos também obedecem a essa direção. A maneira de projetar inicialmente em 2D já data de séculos e nossa mentalidade já está habituada a essa cadência: primeiro o plano horizontal e depois a altimetria. Além disso o processo de projeto requer muitas modificações e esses ajustes são muito mais rápidos de serem feitos somente no plano primeiramente do que em elementos tridimensionais. Não estou afirmando que a concepção feita primeiramente no plano seja a correta, mas os críticos desse processo ainda não apresentaram um processo de concepção tridimensional prático que realmente funcione.
2- No processo de projeto em BIM deve ser usado engenharia simultânea
Como estamos habituados ainda a processos de projeto em “papel”, extremamente morosos e trabalhosos, queremos projetar de forma linear. Queremos que todas as disciplinas se resolvam para que o projeto sob minha responsabilidade seja feito. Não gostamos de “concertar” um projeto mais de uma vez. Essa mentalidade é predominante nos projetistas, principalmente das partes “técnicas” como fundações, estruturas e sistemas prediais. Ajustes cíclicos no projeto são considerados perdas de tempo e falta de objetividades dos projetos precedentes.
Em BIM esse sistema não funciona e deve ser usado o processo de projeto simultâneo e colaborativo. A cada semana deve-se estipular duas datas fixas de atualizações de informações onde todos os projetistas devem “visitar” o modelo e ajustar seu projeto em função da evolução e das alterações nos demais. O projeto na fase 3D (me desculpem os puristas…) deve evoluir como um todo e esses ciclos de atualizações devem ser rigorosamente obedecidos com datas. Os escopos de entrega devem se referenciar ao estágio de detalhamento que cada projetista de empregar em casa fase de projeto. Os projetistas reagem muito a esse processo e acham que devem cobrar mais caro por causa disso.
3- Processo de coordenação em BIM é muito diferente do processo de coordenação tradicional
O processo de coordenação deve ser exercido por um profissional que tenha simultaneamente muita experiencia em projetar e muita experiencia em BIM, o que é ainda muito raro. A verificação do conteúdo do modelo e sua contrutibilidade em cada fase do projeto é uma tarefa minuciosa e nada tem a ver com os inúmeros comentários e anotações que são feitas a mão nas folhas de projeto nos processos tradicionais. Essas anotações são feitas assinalando diretamente nos modelos 3D que são consultados diretamente em tela, sem plotagem, e mandados diretamente para cada projetista em questão. Inclusive algumas reuniões presenciais podem ser economizadas com discussão virtual com projetistas em locais diferentes e de forma frequente. Esse processo é muito diferente do usual e permite perceber com facilidade aqueles projetistas que deixam para resolver seus assuntos somente nas reuniões presenciais. A interação prévia entre projetistas é facilitada e o processo é muito mais dinâmico e eficaz.
4- Poucos projetistas são realmente capacitados em BIM e algumas disciplinas de projeto ainda não tem projetistas que trabalham em BIM
A capacitação dos projetistas ainda é muito precária em BIM e essa capacitação é feita tendo o BIM como uma ferramenta de desenho e não uma plataforma de projeto. A metodologia é muito diferente. A ideia de que basta ter um desenho que represente o projeto, mas feito de uma maneira que não permita ser analisado quantitativamente por aplicativos ou que represente as fases de construção é muito comum. Além disso, a maioria dos projetistas e consultores de disciplinas como impermeabilização, caixilhos, esquadrias de ferro, etc, sequer iniciaram sua capacitação em BIM e sobrecarregam muito os demais projetistas.
5- Compatibilidade entre softwares e aplicativos com inúmeros problemas
Os diversos softwares e aplicativos “conversam” entre si ainda com algumas incompatibilidades. Muitas informações são perdidas na transição entre esses aplicativos tais como coordenadas globais, especificações e reconhecimento de detalhes causando muita perda de tempo em testes para entender o que está dando errado, contatos com os representantes técnicos desses aplicativos e as correções decorrentes. Esse é um ponto que poderia estar bem mais bem resolvido e parece ser de pouco interesse para os desenvolvedores na interação diversas plataformas, tais como REVIT, ArchiCAD, Trimble, etc.
6- Fornecedores de componentes, peças e sistemas não possuem bibliotecas completas de seus produtos
Esse também é um assunto que está muito atrasado em nosso mercado. Mesmo grandes empresas não dispõem e bibliotecas de modelos de seus produtos ou o foco é muito mais de fazer marketing visual e mostrar “tendência tecnológica” do que oferecer modelos e informações realmente uteis para um processo de projeto. Como exemplo, posso citar os módulos de vasos sanitários disponibilizados em BIM por uma grande empresa do setor onde os pontos de conexão são muito mal especificados além do chassi de fixação a ser inserido na parede de drywall (que receberá o vaso sanitário de saída horizontal) não ter sido modelado ou estar disponível para uso em projeto. Muita perda de tempo acontece com a necessidade de modelar produtos que já deveriam estar prontos. Essa é uma falta de visão da indústria do nosso setor que tem me deixado estupefato.
7- Empresas prestadoras de serviço na obra que nada entendem de BIM
Nesse caso, e precisamos disponibilizar projetos em 2D para que possam ser orçados e executados. Muitas dúvidas acontecem com enorme perda de tempo no gerenciamento da obra onde bastaria um “passeio” na maquete eletrônica para tirar todas as dúvidas e informações.
Mesmo com todas essas dificuldades não seria possível estarmos construindo nossas obras dentro do modelo de negócio que adotamos sem o uso do BIM. Todas as empresas envolvidas com a construção civil, projetistas, fornecedores, indústria, empreiteiros, e demais profissionais precisam entender que o BIM veio para ficar e é uma eficiente plataforma de interação tecnológica. Precisamos enfrentar esse processo de capacitação setorial com humildade, emprenho e mente aberta pois os processos que estamos acostumados provavelmente já estão obsoletos e precisaremos de grande disposição para enfrentar o esforço de desenvolvimento que está em pauta.
Mesmo para empresas que ainda pensam em construir “empilhando tijolos” o BIM poderá trazer benefícios. Para as que pretendem se desenvolver no sentido da industrialização o BIM é imprescindível.
O aumento da produtividade e da efetividade em nosso setor precisa ser um caminho sem volta!!!